Música em estado puro
Obras de Federico Mompou (1893 – 1987)
Joana Gama, piano
Duração: c.60’ sem intervalo
LINK PARA GRAVAÇÃO // Link for recording
PROGRAMA
Musica Callada (primer cuaderno) (1959)
Canço i dansa nº2 (1923)
Cants magics (1919)
Prelude No. 6 ‘Pour la main gauche’ (1930)
Paisajes (1941 – 1960)
Canço i dansa nº6 (1943)
NOTAS AO PROGRAMA
Frederic Mompou nasceu em Barcelona a 16 de Abril de 1893, filho do advogado Frederic Mompou e de Josefina Dencausse, originária de uma família de fabricantes de sinos francesa. O som dos sinos viria a ter um papel determinante na obra do compositor e na sua procura de uma sonoridade e harmonia próprias.
Mompou estudou piano em Barcelona e, a partir de 1911, no Conservatório de Paris que na época era dirigido por Gabriel Fauré, cuja música o tinha impressionado ainda na infância, num concerto que o compositor deu em Barcelona. Ali estudou com Ferdinand Motte-Lacroix que viria a ser mais tarde um dos maiores divulgadores da sua obra. Regressou a Barcelona em 1913, onde permaneceu durante sete anos por causa da Primeira Grande Guerra e se dedicou sobretudo à composição. Mompou tinha percebido durante a sua passagem por Paris, que a sua timidez e introspecção não lhe permitiriam ser pianista de concerto e que o seu talento se exprimiria melhor através da composição. Durante estes sete anos compôs as Cena infantis, os Presépios, Suburbis, Cants màgics e a Canção e dança nº 1 e 2, entre outras obras. Continuou sempre a tocar piano mas só actuava em concertos privados, nunca para o grande público, normalmente interpretando obras da sua autoria. Quando em 1921 regressou a Paris, as suas composições obtiveram sucesso imediato, em parte graças a um longo artigo do crítico de música Émile Vuillermoz no jornal Le Temps, à época o jornal de maior circulação em Paris, que colocou Mompou na ribalta da vida musical parisiense. Permaneceu na cidade até 1931, regressando nesse ano pela segunda vez à sua cidade natal. Contudo em Barcelona deparou-se com o ambiente pesado dos anos que precederam a Guerra Civil. Depois da morte do pai em 1936 regressou novamente a Paris, acabando por evitar viver em Espanha durante o conflito. Contudo, cinco anos depois, viu-se forçado a abandonar também Paris, novamente por causa de uma guerra, desta vez a Segunda Guerra Mundial. Em 1941 regressou definitivamente a Barcelona onde se deparou com a destruição da vida cultural, fruto da guerra civil, mas também da repressão do regime franquista. As principais sociedades musicais haviam sido desmanteladas. Apesar disso, o maestro César de Mendoza Lassalle tinha acabado de fundar a Orquestra Filarmónica de Barcelona em 1941 com a qual estreou a transcrição orquestral de Suburbis (Subúrbios). Nesse ano o pianista Ricardo Viñes tocou Cants Màgics no Palau de la Música.
Na capital francesa tinha composto, entre muitas outras obras, os Diálogos, Memórias de uma Exposição, Seis Prelúdios e Canção e dança nº 3 e 4. Todavia, sua obra mais conhecida, Musica callada, só foi composta entre 1959 e 1967, muitos anos após o regresso a Barcelona. Durante esses anos, Mompou compôs também canções, obras corais e uma oratória, Improperios.
Estilisticamente a obra de Mompou enquadra-se na música francesa da época, representada por Fauré, Debussy e Poulenc, apresentando no entanto características únicas que a afastam da dos seus contemporâneos. Mompou teve uma vida longa e assistiu a praticamente todas as correntes estilísticas do século XX, do pós-romantismo, passando pelo impressionismo e pós-impressionismo, até às vanguardas musicais. Escolheu compor num idioma musical não-agressivo e procurar uma radicalidade suave no despojamento e na sua espiritualidade. Apesar de a sua música ser exigente e frequentemente dissonante, ela conduz o ouvinte para essa linguagem nova através da sedução, sem nunca o confrontar com os idiomas mais complexos de forma violenta.
A diferença e a radicalidade da música de Mompou são elegantes e discretas, embora sem qualquer dissimulação. «O meu único desejo é escrever obras a que não falte nada e nada seja supérfluo.» O compositor procurou sempre destilar o essencial para chegar à música em estado puro.
Vladimir Jankélévitch destaca que as peças para piano de Mompou «aludem constantemente ao bronze […] especialmente em Música callada: aqui ouvem-se os sinos seráficos que ressoam com suavidade entre o céu e a terra». Mas já no primeiro andamento de Cants Màgics, composto 40 anos de Música calada, ouvimos o bronze dos sinos dos seus antepassados. A expressão música callada vem do poema Canciones entre el alma y el Esposo do poeta místico São João da Cruz: «la música callada, la soledad sonora». Segundo o compositor trata-se de «exprimir a ideia de música enquanto som do silêncio». A música para piano de Mompou é simultaneamente densa e delicada. Ela cala as vozes ruidosas e sossega a nossa exaltação. Jankélévitch fala no «pudor face à prolixidade» de Mompou, cuja música é ao mesmo tempo o som do silêncio e o som que nasce e se destaca desse silêncio. ©Vera Herold
Obras de Federico Mompou (1893 – 1987)
Joana Gama, piano
Duração: c.60’ sem intervalo
LINK PARA GRAVAÇÃO // Link for recording
PROGRAMA
Musica Callada (primer cuaderno) (1959)
- Angelico
- Lento
- Placide
- Afflito e penoso
- Lento
- Lento
- Semplice
- Lento
Canço i dansa nº2 (1923)
Cants magics (1919)
- Enèrgic
- Obscur
- Profund – lent
- Misteriós
- Calma
Prelude No. 6 ‘Pour la main gauche’ (1930)
Paisajes (1941 – 1960)
- La font y la campana
- El lago
- Carros de Galicia
Canço i dansa nº6 (1943)
NOTAS AO PROGRAMA
Frederic Mompou nasceu em Barcelona a 16 de Abril de 1893, filho do advogado Frederic Mompou e de Josefina Dencausse, originária de uma família de fabricantes de sinos francesa. O som dos sinos viria a ter um papel determinante na obra do compositor e na sua procura de uma sonoridade e harmonia próprias.
Mompou estudou piano em Barcelona e, a partir de 1911, no Conservatório de Paris que na época era dirigido por Gabriel Fauré, cuja música o tinha impressionado ainda na infância, num concerto que o compositor deu em Barcelona. Ali estudou com Ferdinand Motte-Lacroix que viria a ser mais tarde um dos maiores divulgadores da sua obra. Regressou a Barcelona em 1913, onde permaneceu durante sete anos por causa da Primeira Grande Guerra e se dedicou sobretudo à composição. Mompou tinha percebido durante a sua passagem por Paris, que a sua timidez e introspecção não lhe permitiriam ser pianista de concerto e que o seu talento se exprimiria melhor através da composição. Durante estes sete anos compôs as Cena infantis, os Presépios, Suburbis, Cants màgics e a Canção e dança nº 1 e 2, entre outras obras. Continuou sempre a tocar piano mas só actuava em concertos privados, nunca para o grande público, normalmente interpretando obras da sua autoria. Quando em 1921 regressou a Paris, as suas composições obtiveram sucesso imediato, em parte graças a um longo artigo do crítico de música Émile Vuillermoz no jornal Le Temps, à época o jornal de maior circulação em Paris, que colocou Mompou na ribalta da vida musical parisiense. Permaneceu na cidade até 1931, regressando nesse ano pela segunda vez à sua cidade natal. Contudo em Barcelona deparou-se com o ambiente pesado dos anos que precederam a Guerra Civil. Depois da morte do pai em 1936 regressou novamente a Paris, acabando por evitar viver em Espanha durante o conflito. Contudo, cinco anos depois, viu-se forçado a abandonar também Paris, novamente por causa de uma guerra, desta vez a Segunda Guerra Mundial. Em 1941 regressou definitivamente a Barcelona onde se deparou com a destruição da vida cultural, fruto da guerra civil, mas também da repressão do regime franquista. As principais sociedades musicais haviam sido desmanteladas. Apesar disso, o maestro César de Mendoza Lassalle tinha acabado de fundar a Orquestra Filarmónica de Barcelona em 1941 com a qual estreou a transcrição orquestral de Suburbis (Subúrbios). Nesse ano o pianista Ricardo Viñes tocou Cants Màgics no Palau de la Música.
Na capital francesa tinha composto, entre muitas outras obras, os Diálogos, Memórias de uma Exposição, Seis Prelúdios e Canção e dança nº 3 e 4. Todavia, sua obra mais conhecida, Musica callada, só foi composta entre 1959 e 1967, muitos anos após o regresso a Barcelona. Durante esses anos, Mompou compôs também canções, obras corais e uma oratória, Improperios.
Estilisticamente a obra de Mompou enquadra-se na música francesa da época, representada por Fauré, Debussy e Poulenc, apresentando no entanto características únicas que a afastam da dos seus contemporâneos. Mompou teve uma vida longa e assistiu a praticamente todas as correntes estilísticas do século XX, do pós-romantismo, passando pelo impressionismo e pós-impressionismo, até às vanguardas musicais. Escolheu compor num idioma musical não-agressivo e procurar uma radicalidade suave no despojamento e na sua espiritualidade. Apesar de a sua música ser exigente e frequentemente dissonante, ela conduz o ouvinte para essa linguagem nova através da sedução, sem nunca o confrontar com os idiomas mais complexos de forma violenta.
A diferença e a radicalidade da música de Mompou são elegantes e discretas, embora sem qualquer dissimulação. «O meu único desejo é escrever obras a que não falte nada e nada seja supérfluo.» O compositor procurou sempre destilar o essencial para chegar à música em estado puro.
Vladimir Jankélévitch destaca que as peças para piano de Mompou «aludem constantemente ao bronze […] especialmente em Música callada: aqui ouvem-se os sinos seráficos que ressoam com suavidade entre o céu e a terra». Mas já no primeiro andamento de Cants Màgics, composto 40 anos de Música calada, ouvimos o bronze dos sinos dos seus antepassados. A expressão música callada vem do poema Canciones entre el alma y el Esposo do poeta místico São João da Cruz: «la música callada, la soledad sonora». Segundo o compositor trata-se de «exprimir a ideia de música enquanto som do silêncio». A música para piano de Mompou é simultaneamente densa e delicada. Ela cala as vozes ruidosas e sossega a nossa exaltação. Jankélévitch fala no «pudor face à prolixidade» de Mompou, cuja música é ao mesmo tempo o som do silêncio e o som que nasce e se destaca desse silêncio. ©Vera Herold